Artigo/Entrevista
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“ A objetivacao paradoxal do risco ”
Este conceito (modernização reflexiva) deverá convencionar um equilíbrio constante entre a visão comum do cidadão e a racionalidade da Ciência, recusando a separação efetiva entre perspetivas.No mês em que se celebra o Dia Internacional para a Redução do Risco de Desastres, assim como da efeméride relacionada com o fatídico aluvião de 1803, releva-se a seguinte reflexão.
A teoria da sociedade do risco, de Ulrich Beck, constitui uma das teorias sociológicas mais marcantes do seculo XX, que consubstanciou um impacto epistemológico significativo em diversos campos do conhecimento. Propõe-nos, especificamente, uma mudança de paradigma do pensamento e conceito, para uma Sociedade assente na modernização reflexiva, que releva a importância e contributo do conhecimento científico e da tecnocracia.
Este conceito (modernização reflexiva) deverá convencionar um equilíbrio constante entre a visão comum do cidadão e a racionalidade da Ciência, recusando a separação efetiva entre perspetivas. Na prática, é assumido a dialética entre ambos os “conhecimentos” – científico e empírico, sendo considerados indissociáveis e cuja conjugação resultará sempre num benefício acrescido.
É neste contexto que assenta a noção de objetivação, quase paradoxal, da importância do papel do conhecimento científico na prevenção, mitigação e gestão dos riscos. Se por um lado possibilita o empoderamento e a evolução tecnocrática da Sociedade, dotando a Comunidade com os conhecimentos, recursos e equipamentos considerados adequados a atenuação dos impactes perpetuados por um evento com potencial destrutivo; por outro lado, poderá objetivar uma falsa perceção de segurança, contribuindo, inclusive, para o aprofundar da vulnerabilidade e exposição da população aos perigos.
Como exemplo desta objetivação, e no âmbito dos incêndios rurais, referencia-se a introdução do conceito de autodefesa comunitária, no qual o Estado providencia, à população, o acesso à formação técnica e aos equipamentos considerados indispensáveis à sua própria autoproteção e à defesa da propriedade.
Ora, o que (à partida) é-nos apresentado como um interessante exercício de cidadania, a introdução deste conceito poderá consubstanciar uma falsa noção de segurança, uma vez que é assumido (de forma implícita) que a atribuição de conhecimentos técnicos e materiais constituem uma garantia na resolução de todas as situações, inclusive as de perigo, associados à primeira intervenção em incêndios rurais. Esta situação, na sua forma conceptual, contribui para o incremento do nível de exposição da população, face à severidade dos perigos, assim como consubstancia a prática de comportamentos e ações inadequadas, que potenciam a inobservância das elementares regras de segurança.
Assim sendo, encontram-se estes cidadãos preparados para o desempenho destas funções, em respeito dos protocolos de segurança estabelecidos e adotados por profissionais formados, treinados e qualificados para o efeito, os Bombeiros!? Num sentido lato, não estará o Estado a “transferir”, para a população, as suas próprias competências e responsabilidades na salvaguarda e proteção da Comunidade ou, inclusive, a assumir a ineficiência e ineficácia do próprio sistema de proteção e socorro!?
A estratégia nacional, no domínio da proteção civil, encontra-se assente numa abordagem reativa (de combate), pelo que a introdução deste conceito reflete a “cultura vigente”. A aposta na prevenção (com base no autocontrolo da Sociedade e na regulação do Estado) deverá, sobretudo, perspetivar a mudança de comportamentos e de atitudes, reservando para esta abordagem, a educação e sensibilização da população para a adoção de uma consciência coletiva de segurança, que minimize a probabilidade de ocorrência destes eventos (por exemplo, a limpeza e desmatação de terrenos).
No entanto, e considerando os princípios de Beck, poderá ser assumido que a participação dos cidadãos é compatível e constitui um recurso extremamente importante e válido, na componente da reação, desde que atribuídas funções ou missões exclusivas no apoio às operações (como o caso da vigilância ou logística) e que salvaguardem a segurança dos próprios.
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