Artigo/Entrevista

18 ANOS | 18 GEÓGRAFOS

Entrevista Hiolanda Vieira

Quem é a geógrafa Hiolanda Vieira?

Sou uma geógrafa madeirense, natural do Faial, sítio do Lombo de Cima, nascida a 6 de janeiro de 1958. O Faial é uma pitoresca freguesia do Concelho de Santana, localizada no Nordeste da ilha. Foi instituído como tal por alvará régio a 20 de fevereiro de 1550. O nome “Faial” deveu-se às muitas Faias, (Myrica faya), ali existentes. Tem 22,60 km² de área e 1 567 habitantes. Tenho imenso orgulho de pertencer a uma terra de gente laboriosa, de gente de compromisso, de gente humilde, de gente guerreira que nunca vira a cara às adversidades e que nunca deixou que a esperança morresse.

 

Quando descobriu o seu interesse pela ciência Geográfica?

Descobri o interesse e o gosto pela ciência geográfica desde muito nova, nos tempos do “Liceu Jaime Moniz" devido à clareza e o entusiasmo como os professores transmitiam os conteúdos e à minha vontade de compreender os diferentes fenómenos naturais e sociais.

 

Em que instituição de ensino superior se formou? Qual a sua área curricular preferida?

Ingressei na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra como estudante trabalhadora. Após o primeiro ano, solicitei transferência para a faculdade de letras da Universidade Clássica de Lisboa, que abriu uma extensão no Funchal na rua dos Ferreiros, num anexo à Direção Regional da Cultura. As aulas aconteciam ao fim de semana. Este sistema de ensino implicou várias deslocações à Universidade em Lisboa para visitas de estudo, apresentação de trabalhos e realização de frequências e exames. A minha área curricular preferida sempre foi a geografia física. A Biogeografia foi umas das cadeiras elegidas, pois as interações de fatores ambientais entre organismos com seu habitat, e como esses seres se adaptam de acordo com as condições ecológicas despertou em mim um grande interesse.

 

Onde exerceu a sua carreira profissional? Conte-nos um pouco do seu percurso profissional enquanto geógrafa.

Foi a 15/02/1976 que iniciei a minha carreira profissional na escola Preparatória Gonçalves Zarco, em Machico, como docente do 1º Grupo (Português e História). Tinha apenas 18 anos. Os meus pais deslocaram-se ao registo civil em Santana para conceder-me a emancipação. Foi um início difícil pois, comecei a lecionar na área de letras quando, a minha formação, no antigo 7º ano, era a área das ciências. Recebi um horário e um programa e nada mais!

No ano letivo 1977/78 lecionei Geografia (na altura Grupo A). Após esse ano até 1983/84, fui docente do 4º grupo (ciências e matemática). Entre os anos 82/84 exerci funções na Escola Preparatória de Santana, hoje Escola Básica e Secundária Bispo Dom Manuel Ferreira Cabral.

Em 84/85 até ao ano letivo 85/86 leccionei na Escola Secundária do Funchal. Desde o ano letivo 1986/1987 até a atualidade fiquei colocada na Escola Básica e Secundária Dr. Ângelo Augusto da Silva, de referir que lecionei entre entre 1987 a 1996 em regime de acumulação no colégio Infante D. Henrique no Monte. Ao longo da minha e longa carreira exerci vários cargos como diretora de turma, delegada de grupo e membro do secretariado de exames. Desde 1998/1999 até 2002 coordenadora do clube de Geografia posteriormente foi designado "Geoclube", presentemente denominado PROGEA (Projeto Geográfico de Educação Ambiental), mas nunca descurando a vertente ambiental. De 2002 a 2009 estive destacada /requisitada pela Direção Regional da Cultura (DRAC) para desempenhar funções na Associação Desportiva e Cultural do Faial. Neste período organizei, com a valiosa colaboração dos dirigentes desta associação e apoio de entidades públicas e privadas, o festival da canção do Faial, torneios de futebol, ténis de mesa e de voleibol. Outras atividades desenvolvidas foram conferências e exposições abordando as mais variadas temáticas, criação de um grupo de dança, o cantinho da leitura e recuperação e conceção de um jardim na área envolvente ao polidesportivo do Faial. O contacto com as crianças e adolescentes foi contínuo, e a minha função de docente estava sempre presente.

Em 2010, regressei à Escola Básica e Secundária Dr. Ângelo Augusto da Silva, onde tinha sido feliz. Não foi fácil! Muita coisa havia mudado! Novas tabelas, grelhas, determinada terminologia que não me era familiar, alunos mais indisciplinados. Foi um grande desafio uma nova aprendizagem!

Mas recomecei tendo presente um poema de Miguel Torga intitulado “Sísifo” :

“Recomeça...

Se puderes

Sem angústia

E sem pressa.

E os passos que deres,

Nesse caminho duro

Do futuro

Dá-os em liberdade.

Enquanto não alcances

Não descanses.

De nenhum fruto queiras só metade…".

 

Ser professor hoje é muito diferente daquilo que conheceu no início de carreira?

Sim, muito! No início havia muito mais respeito pelo professor sem necessidade de impor esse respeito. Pontualmente aconteciam alguns casos de indisciplina, mas não tão reiterados, e graves, como hoje ocorrem. Não havia tecnologia para nos apoiar, nem a excessiva burocracia da atualidade. Conhecia os alunos pelo seu nome e conseguia compreender os seus anseios e sonhos. O quadro e o giz, de várias cores, eram as ferramentas que disponha além, do manual e dos mapas. Era um ensino muito focado no manual, no professor e no seu discurso. As aulas eram maioritariamente expositivas. Com o passar dos anos surgiu o retroprojetor, que simplificou muito o desempenho do professor proporcionando aulas mais dinâmicas. A elaboração dos testes era morosa. Ao utilizar o stencli, para elaboração dos testes e na eventualidade de haver algum lapso, implicava deitar fora todo o trabalho.

Com o vídeo projetor e todos os recursos disponibilizados pelas novas tecnologias, nomeadamente pela escola virtual, o professor passou de mestre, detentor e transmissor do conhecimento a mediador do conhecimento, aquele que acompanha e orienta o estudante no próprio processo de aprendizagem.

O conhecimento está em toda a parte, principalmente por meio da Internet. Com isso, se antes o professor era o principal transmissor do conhecimento, hoje ele vem assumindo papéis e funções diferentes – e não menos importantes!

Como os estudantes conseguem ter cesso a todo o tipo de conteúdo com muita facilidade, torna-se papel do professor auxiliá-lo a entender o que fazer com todo esse material disponível.

 

Como caracteriza o interesse dos alunos pela disciplina de geografia? Acha que a implementação de novas tecnologias poderá constituir uma vantagem para o ensino da Geografia?

Considero os alunos mais interessados e motivados, dependendo das temáticas. Facilita o trabalho dos professores e desenvolve competências essenciais do Perfil dos Alunos: pesquisar, planear, colaborar, encontrar soluções.

A implementação das tecnologias permitem novas formas de aprendizagem e de conhecimento, bem como o acesso fácil a uma grande quantidade de informação. Contribuem para uma melhor compreensão da matéria devido aos vários recursos como vídeos, mapas, gráficos etc.

 

Qual foi a sua maior conquista ou projeto em que esteve envolvida enquanto professora?

Um dos projetos que estive envolvida e ainda estou é o PROGEA (Projeto Geográfico de Educação Ambiental). Tudo começou em meados da década 90. Até então apenas existia o clube Europeu e pouco mais. A partir setembro de 1996 algo alterou, quando foi oficializado o Clube de Geografia cujos mentores foram os professores Armando Barreiro e Luís de Jesus. Poucos se deram conta do que acontecia, mas a semente era lançada à terra. A semente encontrou terreno fértil perdurando até a atualidade. Tentou-se preencher um vazio existente na Escola no que concerne a atividades relacionadas com a defesa e respeito pela natureza e pelos seus recursos. O CLUBE de GEOGRAFIA, depois denominado GEO CLUBE e atualmente PROGEA (Projeto Geográfico de Educação Ambiental). Este projeto tem em como lema sensibilizar os alunos e a comunidade educativa para a preservação dos recursos naturais e desenvolvimento sustentável. Muito dinamismo e criatividade caracterizam este projeto desde os seus primórdios. Na sua coordenação passaram vários professores nomeadamente a Bernardete Pestana, a Inês Almeida e o Bruno Neves. Atualmente na coordenação está professora Marta Garibaldi e eu. Algumas atividades desenvolvidas ao longo dos tempos foram: Semana do ambiente; reflorestação no Parque Ecológico; visitas de estudo; conferências; exposições e visitas de estudo. Tudo isto foi possível devido aos apoios do Conselho Executivo; Câmara Municipal do Funchal; Secretaria Regional do Ambiente; Programa Eco- Escolas, Associação Insular de Geografia, Comunidade Educativa e aos colegas de Geografia.

A Visita de estudo á ilha de São Miguel nos Açores, com alunos do Secundário foi outro projeto que causou muita satisfação. Um projeto interdisciplinar coordenado pela professora Maria José Castro de Francês envolvendo as disciplinas de Geografia, Economia e Direito.

Foi algo extraordinário pelo facto de ser a primeira vez que visitava esta ilha assim como a maioria dos participantes. Fomos muito bem acolhidos e os objetivos propostos ,foram alcançados. Visitamos vários pontos de interesse. A Lagoa das Sete Cidades e o Vale das Furnas. Junto à Lagoa das Furnas, tivemos oportunidade de provar o "cozido nas caldeiras". Visitamos explorações agrícolas e uma bovinicultura. Foi muito aliciante e aprendemos muito, sobretudo sobre as manifestações secundárias de vulcanismo. Foram momentos de grande partilha de conhecimentos e de consolidação de alguns conteúdos programáticos. Ao regressarmos realizamos uma exposição sobre a referida visita. Foi louvável a envolvência e o empenho de todos os participantes.

 

Na sua opinião, quais os principais desafios que se colocam ao ensino da geografia nas escolas?

O mundo globalizado, cujas transformações exigem novos saberes, fez surgir a exigência de novas práticas educativas, na tentativa de substituir as ideias tradicionais na formação do saber. Enfrentar os desafios propostos exige, simultaneamente, uma reforma do pensamento e uma reforma do ensino. Face a essas transformações, a Geografia, como matéria que se ocupa do território, deve levar em conta essas transformações não somente na incorporação dos conteúdos e temas a serem trabalhados, mas também na metodologia e as atitudes a desenvolverem na sala de aula, bem como as expectativas dos educandos. Á Disciplina de Geografia deveria ser atribuída maior carga horária no 9ºano do 3º ciclo.

Aos docentes mais formação na área das Tecnologias de informação e comunicação (TIC) e Sistemas de informação Geográfica (SIG) pois são potencializadoras dos processos de ensino – aprendizagem.

 

Estando no final da sua carreira profissional, se pudesse voltar atrás no tempo, teria escolhido a mesma profissão?

Sim literalmente! Estando no final da minha carreira profissional, com a certeza de que cumpri a minha missão e fiz amigos para a vida toda, levarei tudo o que vivi no coração. Alguma nostalgia invade o meu pensamento ao descerrar a gaveta das memórias e o baú das recordações. Houve mais momentos bons que menos bons. No fulgor da minha juventude, (fase etária em que todos os sonhos são possíveis e as barreiras não são obstáculos intransponíveis) e a paixão pela profissão, senti-me uma profissional realizada. A todos os ex - alunos; colegas e funcionários que me deixaram um bocadinho de si e que considero que levaram um pouquinho de mim, digo: Obrigada por terem partilhado comigo esta viagem no mundo da docência! A minha enorme gratidão à família por todo o apoio incondicional e compreensão.

 

Que tipo de projeto de cariz geográfico gostaria de ver na implementado RAM?

O que a Associação Insular de Geografia promove, vem de encontro aquilo que considero fundamental para nós geógrafos. Promover encontros /debates conferências onde possamos debater o papel do geógrafo e da geografia. A atualização e formação deve ser uma das prioridades. Que a Associação Insular de Geografia prossiga com os seus projetos e dinamismo que tanto nos valoriza.

 

Costuma dizer-se que o "escritório do geógrafo é o mundo". Qual a viagem mais marcante para si? Conte-nos um pouco da Geografia desse lugar.

A Venezuela foi o país que mais visitei. Todas as viagens foram marcantes! O grande e primeiro impacte foi, ao chegar a Caracas, observar o contraste nas condições de habitabilidade. “Urbanizações” modernas, confortáveis e seguras rodeadas de “ranchos”- construções precárias, logo grandemente vulneráveis às catástrofes naturais. A insegurança, foi algo que me deixou muito apreensiva. A Venezuela apresenta uma orografia variada e descontínua; alternam-se planícies, com planaltos e cadeias montanhosas. Paisagens contrastantes e de beleza incomparável.

Destaco a ida ao Parque Nacional de Los Roques, um arquipélago venezuelano, composto por cerca de 350 ilhas e ilhotas com uma área total de 40,61 quilómetros quadrados. Possui uma grande biodiversidade. Grand Roque é a única ilha habitada do grupo. Este arquipélago dista cerca de 160 quilómetros, a norte da capital, Caracas, no mar das Caraíbas. As suas praias desertas de areia branca, são de uma beleza ímpar.

A única forma de transporte para visitar o arquipélago são pequenas aeronaves. Em Grand Roque, através de um pequeno barco podemos visitar as outras ilhas. Francisquí foi a ilha onde fiz praia. Nesse dia a ilha foi só para nós. Águas transparentes, calmas e mornas, com milhares de peixinhos de todas as cores, muitas aves marinhas e um céu azul são algumas das caraterísticas de Los Roques. Impressionante como as gaivotas conviviam com os seres humanos, vinham comer às nossas mãos!

O clima é quente e seco, com temperatura anual média de 27,3 °C, julho e agosto, chegando ao máximo de 34º, e entre setembro e janeiro apresentam-se chuvas ocasionais.

Marcante foi também a ida ao Parque Nacional Canaima localizado no estado de Bolívar . Foi criado a 12 de junho de 1962 e declarado património da humanidade pela UNESCO em 1994. Apresenta uma área de 30.000 km². É considerado o sexto maior parque nacional do mundo. Cerca de 65% do parque estão ocupados por mesetas. As montanhas escarpadas e quedas d'água (incluindo o Salto Angel), com quase mil metros, formam paisagens espetaculares. O Salto Ángel ou Cataratas Ángel é a mais alta catarata do mundo, com 979 metros de altura (807 metros de queda sem interrupção). O seu nome é relativo ao piloto americano James Crawford Angel que sobrevoou o planalto das Guianas num pequeno avião em busca de ouro .Não encontrou ouro mas descobriu que do alto do planalto de Auyan Tebuí ou “montanha do Diabo” precipitava uma enorme cascata . O acesso ao local não foi fácil, mas muito emocionante. Navegar, numa pequena embarcação, pelo rio Caroní , com alguns rápidos, depois atravessar a zona de floresta densa ,tipo equatorial por um trilho íngreme e sinuoso e piso irregular sob grande humidade e calor foi um desafio, uma grande aventura. Valeu o sacrifício pela imponência e espetacularidade da paisagem.

Também tive oportunidade de visitar a Central hidroelétrica de Simão Bolívar. A central hidroelétrica de Simão Bolívar, mais conhecida como a barragem do Guri, encontra-se no Estado Bolívar, no rio Caroní, a poucos quilómetros a sul da cidade de Porto Ordaz. Está, a uns 100km a sul, da foz deste rio, no Orinoco. É uma construção impressionante, é a segunda maior central do mundo deste tipo. Tem quase 2km de largura e uma altura de uns 200m. É Imponente e majestoso estar lá. Esta obra da engenharia produz 10 milhões de quilowatts. Para produzir esta quantidade de energia, seria necessário 300.000 barris diários de combustível fóssil. O lago artificial que se formou é o segundo maior da Venezuela, depois do Lago de Maracaibo, com uma superfície de 3919 km quadrados. Além da produção de energia, a água desta represa é utilizada como reservatório de água potável para consumo humano e industrial abastecendo mais de 300 mil pessoas.

Numa frase, diga-nos qual a importância da geografia para a nossa sociedade.

A geografia é de vital importância pois o seu carácter interdisciplinar permite construir uma visão de conjunto sobre a superfície da terra e desenvolver conhecimentos e instrumentos de análise integradores e imprescindíveis para a formação de cidadãos conscientes, para a formulação de políticas públicas e para o ordenamento e gestão do território e, consequentemente contribui para a preservação do planeta.

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Data de Publicação:

10 Mai, 2023 às 13:46

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