Artigo/Entrevista
- Associação Insular de Geografia /
- Artigo/Entrevista
“ 18 ANOS | 18 GEÓGRAFOS ”
Francisco Abreu1. Quem é o geógrafo Francisco Abreu?
Sou um cidadão do mundo, filho de pais madeirenses e oriundo da América do Sul (Venezuela). Com um ano de idade, os meus pais decidiram regressar à sua terra natal.
Durante cerca de vinte anos residi no concelho da Ribeira Brava, pelo que tenho uma relação muito próxima com as pessoas do campo, suas atividades, tradições e a cultura predominante nas áreas rurais.
Após o acesso ao ensino superior, residi em três cidades distintas: Coimbra (durante a licenciatura); Aveiro (estágio) e Viseu (após a conclusão do curso) – experiências muito enriquecedoras e que ajudaram a interpretar a dinâmica dos diferentes espaços urbanos.
Depois do regresso à Região Autónoma da Madeira, lecionei cerca de dez anos no concelho de Câmara de Lobos (na Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos do Estreito de Câmara de Lobos e na Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos da Torre). Aqui vivenciei grandes lições de vida e percebi que a «criatividade» e o «lado» humano teria de superiorizar-se às estratégias e modelos pedagógicos adquiridos na universidade.
Insatisfeito por natureza, decidi mudar para a Ilha do Porto Santo, onde exerço funções na Escola Básica e Secundária com Pré-Escolar e Creche Prof. Dr. Francisco de Freitas Branco, desde o ano letivo 2009/2010.
Após alguns anos com diversos cargos pedagógicos (Diretor de Turma; Coordenador de Ciclo; Membro do Conselho Pedagógico; Membro do Conselho da Comunidade Educativa; Membro da Equipa Multidisciplinar de Apoio à Apoio à Educação Inclusiva), optei por dedicar o meu tempo apenas à lecionação da disciplina de Geografia e ao desenvolvimento de projetos pessoais.
Enquanto cidadão, mantenho uma relação cordial com os residentes e visitantes, tendo sido eleito deputado da Assembleia Municipal local, onde fui recentemente designado elemento da Comissão Municipal de Trânsito. Participo regularmente no Carnaval, nas marchas de São João, no Festival Colombo, sou membro das mesas de voto, entre outros.
2. Quando descobriu o seu interesse pela Geografia?
A minha paixão pela Geografia começou no sétimo ano, onde tive a felicidade de ser aluno da professora Filomena. A sua postura, entusiasmo, dedicação, bem como o respeito pelos alunos e o prazer em transmitir novos conhecimentos, ficou gravado na minha memória.
Após a formação académica, apesar dos tempos serem outros, das muitas mudanças verificadas no ensino e na própria sociedade portuguesa, sempre que possível, tento “copiar” e trabalhar com os meus alunos, seguindo o seu exemplo.
Defendo que os docentes que trabalham com o sétimo ano (primeiro ano que os alunos têm Geografia), devem cativar os alunos e desenvolver atividades pedagógicas que despertem o seu interesse.
É urgente sair da escola e levar os alunos para o campo, para o meio da natureza. Se o professor Marcelo Rebelo de Sousa dava aulas de direito nas bancadas do Estoril Open de Ténis, qualquer geógrafo pode trabalhar diversas temáticas numa saída de campo ou numa visita de estudo.
3. Em que instituição de ensino superior se formou? Porquê a escolha na área do ensino da Geografia?
A minha formação académica ocorreu no Instituto Geográfico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Tenho muito orgulho por ter estudado numa instituição com a história e o prestígio da Universidade de Coimbra. Tradicionalmente, os Geógrafos de Coimbra privilegiam o trabalho de campo – o nosso verdadeiro «escritório».
Ao chegar à universidade, deparei-me com três opções de formação: via ensino; ordenamento do território; estudos ambientais. A escolha foi difícil, pois são três áreas muito atrativas, mas optei pelo ensino devido à influência que referi anteriormente. Uma vez mais, a professora Filomena contribuiu e influenciou a minha escolha profissional – pretendia ser um professor à sua imagem.
Ao longo do curso e, sempre que possível, fiz diversas disciplinas/cadeiras das áreas do ordenamento do território e dos estudos ambientais (felizmente são muito úteis na lecionação de determinadas temáticas, nomeadamente nos cursos profissionais).
Estou mais vocacionado para a vertente da geografia humana, nomeadamente nos estudos relativos aos comportamentos demográficos, atividades económicas e contrastes de desenvolvimento.
Passados mais de vinte anos, sinto que fiz uma boa escolha. Apesar do cansaço e das frustrações pontuais na organização das atividades, a relação e os resultados obtidos pelos alunos superam tudo isso. Enquanto professor de geografia, sinto uma enorme responsabilidade na formação das futuras gerações, pois as novas tecnologias estão a «afastar» os jovens do mundo real.
Apesar dos problemas que diariamente afetam o ensino em Portugal, não sinto necessidade de mudar de profissão. Se um dia deixar de ter prazer no trabalho realizado com os alunos, serei o primeiro a mudar de ares, pois os alunos merecem alguém que os respeite e contribua para a sua formação pessoal e académica.
4. Já leciona Geografia na ilha do Porto Santo a alguns anos. A dupla insularidade tem efeitos sobre a sua atividade profissional? De que forma?
Como é óbvio, a dupla insularidade influencia a atividade profissional de qualquer cidadão.
Curiosamente, no meu caso, os efeitos são positivos. Devido à formação académica, aprendi a transformar as dificuldades (limitações) deste pequeno território em oportunidades e desafios.
Arrisco mesmo a afirmar que, a dupla insularidade transforma o Porto Santo num mar de oportunidades. Ser geógrafo num território insular como a ilha do Porto Santo, é um desafio muito interessante.
A pequena dimensão do território permite conhecer pessoas de diferentes áreas (cientistas, investigadores, professores universitários, formadores, dirigentes de diversas áreas, forças de autoridade, empresários, ambientalistas, agentes económicos, culturais, educativos e associativos, poder local e elementos da sociedade civil), permitindo desenvolver um trabalho diferenciado.
Apesar da dupla insularidade, há muita formação disponível e de interesse geográfico, o que não acontece com outras ciências.
Tendo em conta que não existem muitos geógrafos nesta terra, quem for dinâmico tem muito material para estudar e investigar, quer pelos geógrafos ou por outros profissionais.
A população local acarinha todos aqueles que desenvolvem trabalhos de investigação nesta ilha. Conhecem o passado, partilham informações, levam-nos a conhecer alguns lugares e determinados pormenores deste território. Muitas vezes tenho acesso a informações e documentos únicos, fruto da confiança dos mesmos.
5. Como caracteriza o interesse dos alunos pela disciplina de Geografia? Na sua opinião, quais os temas em que os alunos revelam mais interesse?
O interesse dos alunos está associado ao ano de escolaridade que frequentam, a sua idade e as temáticas lecionadas. No sétimo ano, gostam mais do estudo das paisagens e da sua dinâmica, bem como dos países, respetivas capitais e bandeiras; no oitavo ano, manifestam maior interesse pela temática da população, nomeadamente a evolução dos indicadores demográficos e as consequências do envelhecimento da população; os contrastes de desenvolvimento entre países e as questões ambientais são os temas onde os alunos do nono ano estão mais motivados.
No ensino profissional, nomeadamente no Técnico de Turismo Ambiental e Rural, os alunos revelam mais interesse nos desafios e tarefas propostas, independentemente dos temas em estudo.
Os cursos profissionais permitem desenvolver uma verdadeira geografia regional. Ao longo de três anos, os alunos exploram todo o território, descobrindo um Porto Santo que não é do conhecimento do cidadão comum.
De uma forma geral, os alunos gostam da disciplina, apresentam um bom aproveitamento e desenvolvem o seu espírito crítico e a criatividade.
6. Durante a sua experiência como docente, qual foi a/as atividade/s mais criativa/s que desenvolveu com os seus alunos? Fale-nos um pouco sobre essa experiência.
Compete aos geógrafos estudar e conhecer o território onde exercem a sua atividade profissional. Sou duplamente felizardo, pois tirei um curso numa área que gosto, exerço uma profissão aliciante e vivo numa ilha onde sou respeitado. Aqui, surgem muitas oportunidades para desenvolver diferentes atividades, fazer formação e trocar opiniões com profissionais de diferentes áreas, sem descurar que usufruo de uma qualidade de vida invejável.
Sou um geógrafo «viciado» no trabalho de campo. Não gosto do trabalho de gabinete, apesar de reconhecer a sua importância - sou muito mais feliz no meio da natureza.
Curiosamente, desenvolvo poucas atividades com outros geógrafos, trabalhando principalmente com biólogos, geólogos, historiadores e engenheiros informáticos.
Entre as dezenas de atividades que dinamizei nas escolas de Câmara de Lobos, destaco uma saída de campo ao Pico Ruivo, onde foram lecionados conteúdos sobre as formas de relevo predominantes, seguindo-se a construção de um perfil topográfico.
O Porto santo é um pequeno território, mas com um vasto património (infelizmente muito degradado e ao abandono), com uma história e cultura riquíssima, uma gastronomia muito interessante e um povo humilde, resiliente e muito simpático.
Na ilha dourada, destacaria as seguintes atividades: visitas de estudo ao Museu Cardina e à Casa da Serra (dois museus etnográficos muito interessantes); caminhada à Terra Chã (paisagem fantástica) saída de campo à Pedreira e Grutas do Pico Ana Ferreira (verdadeiro observatório da paisagem); observação das paredes de croché (paredes de pedra emparelhada, autêntica obra de arte dos nossos antepassados); levantamento sobre a origem dos professores da nossa escola; Olimpíadas da Geografia do Porto Santo (9º ano) e Olimpíadas do Turismo (Cursos Profissionais); projeto “Nós Propomos – Porto Santo” (apresentação de sugestões às entidades públicas e privadas da ilha); participação no Orçamento Participativo Jovem – Porto Santo; projeto de arte urbana (em parceria com a autarquia); colaboração nas atividades dinamizadas pela coordenação da Reserva da Biosfera do Porto Santo.
É um «luxo» poder realizar uma caminhada, visitar um ilhéu, andar a cavalo, jogar golfe, observar cetáceos, dar um mergulho e fazer praia, andar de bicicleta, assistir ao pôr-do-sol num dos vários miradouros e terminar o dia com um convívio (churrasco) numa das diversas áreas de lazer existentes (Morenos; Pico Castelo; Parque da Florestal; Parque do Tanque; Fonte da Areia). Tudo isto, num só dia.
7. Na sua opinião, quais são os principais desafios que se colocam atualmente ao ensino da geografia nas escolas?
Na atualidade, o professor é um facilitador das aprendizagens. Quem optar pela exposição dos conteúdos, certamente não irá captar a atenção dos alunos.
Não pretendo formar geógrafos (esse é o papel das instituições de ensino superior), mas sim desenvolver o espírito crítico e a criatividade dos alunos.
Estes jovens precisam ser confrontados com os problemas da sociedade e devem apresentar soluções para os mesmos (trânsito urbano; sem abrigo; políticas demográficas; excesso de resíduos; baixos salários; envelhecimento da população; choques culturais; criminalidade juvenil, entre outros).
Precisamos desenvolver a sua autonomia, capacidade de trabalho com os seus pares e preparar os mesmos para a possibilidade de conhecerem outros territórios, ganhando experiência e desenvolvendo a sua atividade profissional.
Os alunos gostam quando o professor apresenta casos práticos. Recentemente, estava a explicar aos alunos do nono ano que os geógrafos são convidados para a escolha do local onde deverá ser instalado um novo centro de saúde, construído um novo aeroporto ou projetada uma nova cidade – o seu maior interesse foi quando fiz a demonstração destas situações, através de notícias dos órgãos de comunicação social.
Acresce, ainda, a possibilidade de apostar num reforço das aprendizagens através da componente prática (visitas de estudo, saídas de campo, palestras, aplicação de inquéritos, apresentação de propostas às entidades locais).
Frequentei uma formação no ano letivo anterior, em que um professor da Universidade de Lisboa abordava o conceito da “Cidade dos 15” – em 15 minutos acedemos aos principals serviços. Na aula prática, após a resolução dos exercícios, os alunos constataram que o Porto Santo enquadra-se neste novo conceito (esta conclusão provocou uma forte participação dos alunos).
8. Se tivesse a oportunidade de organizar uma saída de campo para qualquer parte do mundo, para onde levaria os seus alunos? E porquê?
Devo referir que esta é, sem dúvida, a pergunta mais difícil de responder.
Levava os alunos do sétimo ano a São Miguel (Açores), com o intuito de observar e comparar diferentes paisagens; os alunos do oitavo ano seriam «prendados» com uma viagem a Paris (França), permitindo uma análise à dinâmica dos grandes espaços urbanos, bem como os possíveis problemas resultantes da grande diversidade cultural ali existente; os alunos do nono ano seriam «convidados» a visitar um país nórdico ou o continente africano, possibilitando medir os diferentes níveis de desenvolvimento, as diferenças culturais, sociais e económicas.
Quanto aos alunos do Curso Profissional de Turismo, dada a diversidade de temáticas que leciono em três disciplinas (Geografia, Tecnológica I e Tecnológica IV), optava por uma volta ao Mundo.
Todas estas atividades contribuiriam para ajudar os alunos a terem uma nova perceção do meio que os rodeia, preparando-os para a necessidade de possíveis migrações no futuro.
9. Que tipo de projeto, de cariz geográfico, gostaria de ver implementado na RAM?
O desenvolvimento de um projeto didático de cariz geográfico deverá permitir explorar os conhecimentos dos alunos, criando um ambiente positivo ao nível das aprendizagens.
Assim, gostaria de assistir à implementação de um Pavilhão do Conhecimento Geográfico (vocacionado para a Geografia e outras ciências que contribuam para desenvolver as capacidades das crianças e jovens); gostaria de ver as escolas da região a serem equipadas com a instalação de um globo terrestre com 2 ou 3 metros de diâmetro nos seus jardins; dotar todas as escolas regionais com uma caixa de areia em realidade aumentada.
Outra opção, passaria por criar um Laboratório Geográfico Móvel (equipar uma carrinha com materiais geográficos – óculos 3D; ortofotomapas; SIG; bússolas; fotografia aérea; modelação de relevos, cartografia, entre outros), circulando pelas escolas da RAM.
A nível local, gostaria de ver aprovado e implementado o projeto “A Reserva da Biosfera na Tua Escola” (colaborei na sua planificação). Contribuiria para uma maior divulgação da reserva da biosfera, sensibilizando para a defesa do património, cultura, tradições, bem como das potencialidades geológicas e da biodiversidade local.
Poderá ser uma oportunidade para a AIG desenvolver um destes projetos, financiados através do Plano de Recuperação e Resiliência.
10. Numa frase, diga-nos qual a importância da geografia para a nossa sociedade.
Se o escritório dos geógrafos é o mundo, o meu é certamente a montanha. O contacto diário com as gentes do campo e a sua relação com o meio natural.
A Geografia ajuda a entender todas estas dinâmicas (entre o Homem e o Meio) e contribui para um novo planeamento do território.
A terminar, deixo os parabéns pelo trabalho desenvolvido pela Associação Insular de Geografia ao longo destes dezoito anos. Desejo muito sucesso e bom trabalho.
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